A melhoria da Justiça Tributária envolve não só mudanças no sistema tributário de repartição de competências como também o aprimoramento no regime de resolução de conflitos, de modo a garantir, com maior abrangência, o direito à tutela jurisdicional efetiva e o maior acesso à Justiça.
Além do ambiente judicial, temos, no Brasil, um modelo de resolução de conflitos exercido na esfera administrativa que apresenta um nível sofisticado de regulação legislativa[1], com a presença de órgãos colegiados (os conselhos de contribuintes) em que participam julgadores indicados por entidades representativas de vários segmentos da sociedade civil. Esse modelo, mesmo sendo tradicional, relevante para o contexto brasileiro e com reconhecida qualidade técnica, não vem conseguindo resolver os conflitos com a celeridade necessária.
Por sua vez, a própria resolução judicial dos conflitos tributários também amarga estatísticas nada otimistas e que nos mostra a demora na definição desse tipo de conflito.
As causas são várias e as formas de remediar o problema passam, entre outras, pela adoção de métodos ou meios mais adequados de resolução de conflitos tributários, entre as quais se destacam a arbitragem e a mediação. Tais métodos ganharam fôlego principalmente com as alterações legislativas promovidas em 2015: o novo Código de Processo Civil, a lei de mediação e mudanças na lei de arbitragem brasileira.
Esse tema apresenta alguns entusiastas, não só no Brasil como no exterior. No recente Congresso Ibero-Americano de Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos Tributários, realizado em Portugal nos dias 28 e 29 de maio e organizado pelo professor Francisco Nicolau Domingos, vinculado ao centenário Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (Iscal), acadêmicos e profissionais espanhóis, portugueses e brasileiros puseram-se a discutir essa temática de forma muito aberta[2]. Para nossa grata surpresa, tivemos uma gama de interlocutores brasileiros muito qualificada e diversificada: professores e pesquisadores vinculados à Escola de Direito da FGV-SP, da PUC Minas, da Universidade Católica de Brasília e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), juntamente com representantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), debateram com acadêmicos da península ibérica esse temário, sendo unânime o reconhecimento de se criar novos modelos para aumentar a efetividade da resolução dos conflitos e melhorar o nível de recuperação do crédito tributário.
O fato é que a arbitragem tributária vem ganhando destaque nos estudos e discussões acadêmicas. Tendo como pano de fundo o sucesso do modelo português (em vigor desde 2011), reconhece-se não só o cabimento e a pertinência da arbitragem tributária no Brasil, mesmo porque ela não conflita, de modo algum, com o princípio da indisponibilidade do crédito tributário[3]. Sempre ciente de que as experiências estrangeiras não devem ser reproduzidas sem se observar, de antemão, as particularidades do sistema tributário doméstico, a arbitragem tributária pode muito bem ser utilizada para tratar de diversos temas que envolvem a relação jurídica tributária, seja os de caráter mais técnico (como a apuração de valores de crédito, a base de cálculo de alguns tributos e a classificação fiscal de produtos), seja indo mais além, de modo a adentrar no controle de legalidade e revisão de cobranças e autos de infração, desde que não envolva juízo de constitucionalidade. Mesmo que se reconheça, de antemão, que a arbitragem não irá reduzir, ao menos de forma considerável e impactante, o número alarmante de processos em curso, não há dúvida de que ela representa uma nova opção de acesso à Justiça, ampliando, assim, esse direito fundamental, o que já é um objetivo bastante relevante a perseguir.
A mediação, por sua vez, também pode ser outro meio adequado para a solução de determinados conflitos tributários. A questão é que sua adoção exige uma mudança cultural na postura comportamental dos atores envolvidos. Fisco e contribuinte devem estar propensos ao diálogo efetivo, franco e transparente. E será essa mudança no status quo comportamental das partes que fará diminuir, no médio prazo, o número de processos em curso tanto nos conselhos de contribuintes como no Judiciário.
Criar um ambiente de respeito aos direitos fundamentais e conscientização de cidadania fiscal é tarefa de todos, inclusive da sociedade civil. Contudo, a administração pública deve dar o primeiro passo nesse sentido, seja pela criação de políticas e diretrizes que fomentem a criação de um modelo diverso de relacionamento, seja pela adoção de comportamentos mais transparentes, estáveis e que resgatem confiança por parte dos cidadãos.
Enfim, há indicativos mais que suficientes que justificam a necessidade de reformularmos nosso sistema de resolução de conflitos em matéria tributária. O Direito Tributário não pode ficar à margem do esforço envolvido na construção de uma política pública de ampliação do acesso à Justiça. É necessário que se dê o primeiro passo na construção efetiva de novos modelos de resolução de conflitos e na configuração da relação Fisco-contribuinte. Precisamos criar esses modelos, ainda que sejam inicialmente transitórios, experimentais e de menor alcance. O cabo de guerra da relação Fisco-contribuinte perdura há décadas, estica-se cada vez mais e esse panorama não beneficia ninguém… Todo o Brasil perde. Que venham mais debates e projetos de lei! Passou a hora de termos mudanças efetivas.
[1] Observando-se o modelo federal do Carf, adotado, com similaridade, na grande maioria dos estados e em diversos municípios (principalmente nas capitais).
[2] Como resultado dessa pesquisa, foi publicada a obra coletiva denominada Justiça Fiscal: um novo roteiro, organizada pelo professor Francisco Nicolau Domingos e publicada pela editora Rei dos Livros.
[3] A respeito da arbitragem tributária no Brasil e da criação de um possível modelo, conferir GIANNETTI, Leonardo Varella. Arbitragem no direito tributário brasileiro: possibilidade e procedimentos. 2017, 390 f. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Por Leonardo Varella Giannetti, coordenador do contencioso tributário no Martinelli Advogados, professor da pós-graduação da PUC Minas e doutor e mestre em Direito Público pela mesma instituição.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 11 de julho de 2018, 7h13
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