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A arbitragem nunca teve tanto destaque no Brasil. O (bom) uso do instituto nos dezenove anos de vigência da lei Federal 9.307/96 (a chamada Lei de Arbitragem), aliado ao seu reconhecimento por reiterada jurisprudência dos Tribunais Superiores, sedimentaram-no como excepcional mecanismo de solução de controvérsias. O ano de 2015 é um ano especial, não só pela reforma da Lei de Arbitragem, que atualizou e modernizou o instituto, mas pela edição do Novo Código de Processo Civil, que incentiva a utilização da arbitragem e cria mecanismos para que o Judiciário a assegure como método legítimo de resolução dos conflitos.
No entanto, em momentos de baixa liquidez, os custos da arbitragem, geralmente mais elevados que os das demandas travadas perante o Poder Judiciário, podem desencorajar as empresas a fazer uso do instituto, ou postergar a solução de demandas. Algumas saídas podem ser oferecidas nessa hipótese, e uma das mais controversas, mas mais eficientes, é o financiamento da disputa arbitral por terceiros.
O suporte financeiro de litígios por terceiros é historicamente criticado em alguns países e culturas. Na Roma Antiga, quem prestava apoio a litígios poderia responder por calúnia, embora a prática não fosse inteiramente proibida. No Reino Unido, por sua vez, o financiamento de disputas poderia ser enquadrado em não apenas um, mas três ilícitos distintos, proibindo de diferentes formas o suporte a litígio conduzido por outra pessoa. As razões da proibição remontam ao período do rompimento com o feudalismo, representado pela Magna Carta, que neste ano comemora oito séculos da sua promulgação. Como retaliação contra a perda de poderes sinalizada nas mudanças do fim da Idade Média, os nobres comumente incitavam e financiavam terceiros a demandas sem fundamento, como uma forma de intimidar seus oponentes e juízes. Nesse contexto, a proibição ao financiamento de litígios por terceiros constituía um instrumento para garantir direitos na democracia que então alvorecia.
Com o passar do tempo, e estabelecido um novo paradigma para a sociedade, o tratamento do financiamento de disputas sofreu uma guinada no direito inglês, e sob o mesmo raciocínio que o tornou proibido anos antes: a garantia de direitos. Sua importância como uma forma de assegurar o acesso à justiça foi tema de discurso proferido em 2013 pelo atual Presidente da Suprema Corte do Reino Unido, Lord David Neuberger, intitulado From barretry, maintenance and champerty to litigation funding, em palestra perante uma das mais conceituadas instituições de financiamento de disputas arbitrais e jurisdicionais da Inglaterra1.
No Brasil, não há proibição expressa à cessão de direito discutido em processo a terceiro, mediante contrapartida em dinheiro, que pode ser investida no custeio da disputa. Contudo, o financiamento de arbitragens por terceiros não passaria apenas pelo simples crivo de ser possível ou não, sendo diversas as preocupações que mais se relacionam à arbitragem do que ao financiamento em si. Essas preocupações estão diretamente relacionadas aos princípios basilares da arbitragem, positivados no art. 21, § 1º, da Lei, quais sejam, os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
Desta feita, tem-se por primeiro e mais importante que o financiador não deve comprometer de forma alguma a imparcialidade do árbitro. Por consequência, o financiamento e o financiador devem ser revelados às partes e ao Tribunal Arbitral, a qualquer momento em que celebrado o contrato de financiamento, seja antes da instauração ou no decorrer do procedimento, ainda que exista cláusula de confidencialidade no contrato. Da mesma forma, os árbitros se obrigam a revelar qualquer informação relevante a respeito do financiador, em cumprimento do seu dever de imparcialidade e garantindo a igualdade das partes.
Por outro lado, a contratação do financiamento pode representar quebra do dever de confidencialidade existente no contrato submetido à arbitragem e no procedimento. É natural que o financiador queira se informar de forma qualificada sobre o litígio, a fim de decidir se fará o aporte ou não. Mais que isso, é também razoável que o financiador pretenda receber informações no decorrer do procedimento, seja como uma forma de acompanhar eventual retorno do seu investimento, seja para compreender despesas incorridas no curso da arbitragem (taxas de administração de câmaras e honorários de árbitros complementares, honorários periciais, etc).
Questão diretamente atrelada à circulação de informações do procedimento arbitral é a possibilidade de interferência do financiador na estratégia da arbitragem ou mesmo na escolha do advogado do financiado. Além disso, questiona-se se o financiador se responsabilizará somente pelo pagamento das despesas da parte por ele financiada, ou se também deverá arcar com o reembolso dos valores despendidos pela outra parte na hipótese de insucesso da demanda por ela apoiada (e caso seja possível o reembolso).
Evidente que muitas dessas questões receberão diferentes enfoques, caso a caso, mas, em noções introdutórias, já é possível entrever possíveis impasses em diferentes matérias. Cabe lembrar que o recurso ao financiamento de arbitragens é medida positiva e eficaz para realizar direitos e garantir acesso à justiça, devendo as partes ter sempre em mente que a opção pelo financiamento não poderá dificultar ou inviabilizar a arbitragem.
Em alguns países, especialmente no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Austrália, o financiamento de processos e de arbitragens criou um mercado próprio, que movimenta milhões de dólares por ano. Nesses Estados, foi necessário superar a barreira da ilegalidade para que o financiamento de arbitragens se firmasse como negócio rentável. Nosso caminho é mais curto, mas algumas questões devem ser resolvidas para que, com segurança, o financiamento de disputas por terceiros engrandeça a arbitragem no Brasil.
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Por Pedro Augusto de Castro Freitas, advogado do escritório GVM – Guimarães & Vieira de Mello Advogados.
Fonte: Migalhas, sexta-feira, 16 de outubro de 2015